A morte em si, é um grande tabu em nossa sociedade ocidental. O medo do quê vem após a passagem – crenças religiosas de paraíso ao inferno dependendo de nossas atitudes na Terra, karmas, reencarnações, anjos ou santos vem nos buscar ou ‘simplesmente’ nada se perde e tudo se transforma e retorna à natureza, como um ciclo sem fim.

Este evento, o único que temos certeza que ocorrerá após nosso nascimento e, para todos os seres vivos, é o encontro com o mais vazio que temos. Podemos nos apoiar e utilizar a religião para fornecer este contorno e tentar de alguma maneira, cobrir este buraco existencial, esta incógnita eterna do além da passagem da vida.

O olhar sobre o fim da vida depende da própria cultura. Em culturas orientais os ‘cemitérios’ são a céu aberto e na maioria das vezes, os corpos são cremados e é encarado como algo comum, nascimento e morte como ‘coisas da vida’¹. O sofrimento paira sobre os familiares e amigos do sujeito que faz a passagem, afinal como viver sem poder falar, abraçar, trocar vivências com a pessoa amada?! Pergunta Real-mente impossível de responder. A saudade toma conta do luto, como espécie de tristeza – por não poder mais ter experiências com a pessoa e, ao mesmo tempo – gratidão pelos momentos que estiveram juntes².

Quando o assunto e momento, são sobre o suicídio, o tabu é ‘redobrado’. Inúmeras perguntas, explosões de sentimentos a quem permanece:

Por quê?

O que poderia ter feito?

O que levou a isto?

Poderia ter feito mais.. Poderia ter feito diferente…

Eu errei… A culpa é minha…

Não olhamos pra isto…”

Restam às pessoas que conheciam e amavam aquele sujeito que teve tal ‘escolha’, estes vazios que rodeiam de forma torturante, como ‘deus tirano’ – da mente. Mesmo que a pessoa tenha deixado carta explicando sobre sua decisão – esta, não é aceita, afinal, ela estava observando o sofrimento vivido com intensidade, não conseguiu perceber outras verdades e outros caminhos como soluções possíveis para aliviar sua dor.

Existem formas de driblar o processo normal do luto, de reestruturar sobre o novo momento de vida. Uma das ferramentas possíveis é o campo digital. Com seus inúmeros bombardeamentos de informações a cada segundo, fica sem o tempo de elaboração do que se atravessou, do que o paralisou. Redes sociais, muitas vezes, incentivam consumos e padrões para atingir a ‘felicidade’, causando alienação, injustiças e segregações – uma competição de quem têm mais, e para ‘Ser você têm que Ter’. Será que estamos vivendo e sentindo os momentos com o outro?

Pessoas em determinadas fases da vida possuem maior probabilidade de cometerem suicídio e, podemos criar fantasias e hipóteses sociais para tal ato.

– Idosos com seus limites físicos e/ou mentais, perda da função no trabalho, isolamento social, perdas de amigos e familiares e sentimento de finitude e solidão podem levar ao suicídio;

– O estresse da urbanização e o ‘tempo líquido’³ onde as pessoas não vivem o momento, transitam entre passado e futuro, cobranças sociais, estado de alerta e ansiedade, também podem ser fatores para decisão de tirar a própria vida;

– Depressão pós-parto, onde mulheres não recebem cuidados necessários e se sentem solitárias com seus corpos alterados pela gestação, mudança no trabalho e rotina pessoal, etc, são também fatores de risco;

– Pressões sociais de produção acima de todos, dos estudantes colegiados e Universitários;

– O medo do novo, de ‘não conseguir’ pode ser tão intenso e paralisante;

– Membros da família que perdem aquela irmã/aquele pai, aquele ente amado e insubstituível – a troca de funções além da perda física, pode ser insuportável – ‘Como continuar vivendo sem ela/ele?’;

– A dor de um término amoroso – quase Shakespeariano, pode ser tão intenso – tanto investimento libidinal/amoroso para terminar, e o despertar que ‘Pra sempre, sempre acaba’(4) pode demorar para surgir;

– Descoberta de um diagnóstico, de uma doença, pode se transformar num fim Simbólico;

– Aquela mãe que perde seu filho – como nomear? Ex-mãe?;

– Pessoas que a sociedade exclui por estarem fora de determinados padrões eugenistas como: pessoas deficientes, população LGB+, pessoas em estado de vulnerabilidade – são grupos de maior índice de suicídio.

O não visto, causa perda da subjetividade. O sujeito não reconhecido pelo Outro, o seu olhar sobre si mesmo se apodrece… Tempos de urgências sociais, preenchimentos de faltas.. Que tempo é este?

A angústia intensa faz parte de um processo de adoecimento social. Todes somos seres limitantes – limitantes pelo e no Tempo, limitantes nos desejos e possibilidades, limitantes pelos inúmeros ‘nãos’ da vida (que muitas vezes, entendemos o quanto este não foi necessário, após um determinado tempo, vivido e superado na dor). Se as frustrações fazem parte da vida tanto quanto o bem-estar – O que seria esta intensidade?

Quando não há diálogo, confiança para fala, por onde escapa esta angústia? Será quê tais atos, são escolhas inteiramente conscientes? Como estamos observando o sofrimento individual no isolamento? Qual a nossa implicação sobre a sociedade?

Estamos escutando os sofrimentos ditos e os internos/latentes? Será que temos o direito de julgar? – Quem somos nós, na fila do pão?!

Para entender o que se passa internamente com a gente e, realizar certa organização e equilíbrio entre corpo-mente é necessário o diálogo com o outro. Há casos em quê o desabafo e o ‘ombro-amigo’ já são suficientes para que haja um movimento além da tristeza profunda. Em outras situações, será preciso uma escuta qualificada para quê o outro compreenda os nossos significantes internos. Nestas e em outras circunstâncias, o conversar – dizer mais vezes para as pessoas os limites e sentimentos do momento, quanto elas são importantes – é essencial para a sobrevivência humana. A compreensão e respeito ao próximo como potencial para salvar vidas.

Observe os momentos que te dão prazer – quando surgem? Observe os momentos de dificuldade e de frustração, o que causa isto?

Acredite: Sua Vida Vale Ser Vivida – Procure ESCUTA qualificada.

Ajuda para prevenir o ato suicida:

– Centro de Valorização da Vida – 188 (ligação gratuita);

– CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde) na sua região;

– UPA 24H, SAMU 192, Proto Socorro, Hospitais.

Para entender a origem de pensamentos suicidas e, impulsividades/ansiedades frente às frustrações, o tratamento de análise é recomendado.

.

1- Parafraseando a música ‘Coisas da Vida’ de Rita Lee;

2- Saudade como a junção dos sentimentos tristeza e gratidão. Aprendizagem que obtive de uma medicina sagrada da floresta, em 2016;

3- Referência a obra ‘Tempos Líquidos’ de Zygmunt Bauman;

4- Lembrando da música ‘Por enquanto’, composição de Renato Russo.