Fico me perguntando o que Freud falaria desta eleição. Ele que viveu o nazismo alemão, teve seus pertences confiscados, suas obras queimadas, algumas de suas irmãs mortas em campos de concentração. O que o pai da Psicanálise falaria?

Fascismo: controle ditatorial, Estado totalitário que prove vigilância; eliminar raças e etnias que acreditam serem inferiores, intitular um líder do qual, também reconhecem ser forte o bastante para contornar todo o caos. Será esta, A solução saudável? Eleger um pai da ordem autoritário para não mostrar as diferenças existentes e consequentemente, não mostrar a falta deste pai e dos seguidores? Ora, eleger um representante que fará com que deixemos de lado nossos desejos, automaticamente nos ausentaremos da responsabilidade destas escolhas. Toda escolha, leva a um ganho mas também, há uma renúncia. E agora, José? *

Convido a leitora e ao leitor, a me acompanharem nesta reflexão para depois, podermos discursar sobre os significantes que pairam neste momento político do Brasil.

O Pai da ordem que estou escrevendo é o pai perfeito, dotado de todo saber, o Ideal de Eu. Este Pai não permite furos, buracos, lacunas, imperfeições. Exclui todo o tipo de diferença, assim evita qualquer implicação à si próprio e a própria castração. Lidar com a castração é algo que pode ser doloroso. Sujeito dono de seu próprio corpo e sintomas, já possui seu próprio Senhor. No inconsciente, os desejos descansam, mas nos acompanham e, quando menos esperamos, lá o vem através de atos falhos, chistes, sonhos e sintomas. Muitas vezes, os desejos transbordam da mente e passam em ato pelo corpo, atualmente, estes atos estão até invadindo e violentando o corpo alheio (do afeto raiva para agressão física).

Freud, no texto “Recordar, repetir e elaborar” (1914) faz recomendações sobre a própria técnica da psicanálise. Repetir tais atos é mecanismo de defesa, através da transferência o analista revela esta resistência para que o sujeito possa despertar as lembranças e posteriori, elaborá-las em própria análise. Repetição no ato da transferência em análise, é a forma de lembrar e de não lembrar, no momento apropriado, recordará e poderá lapidar esta realidade psíquica, podendo criar formas mais saudáveis de existir no mundo e nas relações. Este texto me lembrou também, das aulas de história que tive no colegial e, criar críticas do momento atual, época de eleições presidenciais. 

No início dos anos 20, a Alemanha estava em profunda crise econômica, fruto do Tratado de Versalhes na 1° Guerra Mundial, ficou impedida de comercializar com outros países, produzir armas e outras sanções. No Partido Nazista, era defendido como solução para esta crise, um Estado forte e culpava o governo pela derrota alemã. Fazendo um pequeno salto no tempo, em 1929, houve aumento de desemprego e alta da inflação, com isto, o discurso do partido Nazista conquistou milhares de eleitores, com a promessa do Estado forte retomar o crescimento social e econômico da nação. Anos mais tarde, a oposição ao partido foi eliminada e foi instituído a segregação racial de judeus e ‘arianos’, a última denominava um padrão de perfeição. Aos poucos, esta segregação foi se espalhando para outras etnias, crenças e, tudo aquilo que saía fora da curva da normalidade que o nazismo impunha.

Não irei me estender muito para o nazismo alemão, mas estão conseguindo me acompanhar? Vejo no Brasil a história se repetir, claro em outro país, cultura e tempo cronológico, porém com vários traços em comum. O país está em crise, o mundo está em crise e, ‘inocentemente’, estamos numa eleição decisiva para voltarmos ou não a repetirmos o passado. Vejo muitos eleitores de Jair apoiando-o como ato de repúdio ao Pai exemplar/Ideal de Eu que foi desmascarado, cujo representante maior, está preso atualmente. Apoiá-lo também vem com seus ideais conservadores, justificados num Estado forte, de contorno, de ordem. Novamente me questiono, militarismo é sinônimo de mais ordem? Que tipo de ordem? Como esta ordem será atuada? O que é ser cidadão de bem?

Estas questões e tantas outras, fazem refletir e indagar a própria psicanálise e, como podemos contribuir para esta histórica eleição e atuação na clínica. A Psicanálise foi criada através da escuta do ‘diferente’. Aquilo que estava sendo exposto e que saia dos padrões da época era inquietante para os médicos, já que a medicina não conseguia ‘curar’. A loucura como cultural e temporal mas, inerente ao ser humano, afinal: ‘de médico e louco, todo mundo tem um pouco’ **. O Brasil é um dos países do mundo, com mais etnias e crenças diferentes (que maravilha!). Desde a invasão da família real, onde já havia ‘o povo da floresta’, até hoje com nossos hermanos venezuelanos. Esta mistura é fundamental para nos recriarmos como seres humanos, seres pensantes. Ao lidarmos com o diferente, automaticamente nos retornamos a nós mesmos. Você se lembra quando olhou pela primeira vez no espelho? Acho que é impossível lembrar mas, podemos observar os bebês (um professor de psicanálise fala: “Quer conhecer o ser humano, observem os bebês! Observem os bebês!”), quando o adulto com o bebê no colo, para em frente ao espelho e diz para o serzinho: “Olha você, bebê!”, o ‘ser’ olha para o adulto e olha para o espelho novamente. Busca o olhar do outro e sua fala para comprovar se é de fato ele no reflexo (vale muito a leitura de “O estágio do espelho como formador da função do eu”, de Jacques Lacan, 1966).

Em um governo autoritário só existe uma verdade, ausentando a leitura e crítica por escolha própria. Na fala do representante, é possível passar ao ato, da ameaça se tornar realidade. Representante ataca para impedir a exposição da opinião diferente, que devolve para ele mesmo como questionamento de seu próprio saber/fala autoritária. Há muitas pessoas que não observam a mazela deste Pai e acreditam nestas ‘soluções’ autoritárias. Como falar mal de um Pai que representa a esperança? – têm muitos que só querem pegar na mão de um representante e que este possa olhá-los e falar: ´Estamos juntos, vai dar tudo certo!´, como um pai ou uma mãe que acolhe seu filho no 1° dia de aula frente as angústias do novo. Qual a fantasia infantil que está pairada? Pai que vai colocar ordem e ao mesmo tempo dar amor?

Nestas eleições observo dois afetos: ódio e o medo. O medo pode paralisar, permanecer vulnerável frente ao outro que ameaça, e ódio pode escapar por impulso, via do excesso. Ambos, impedem raciocínio e estratégia para buscar a melhor solução para o conflito atual. Que tipo de doença social nossa cultura está gerando? Desesperança, medo, incertezas, decepção, fragilização de pertencimento/identidade, angústia pelo vazio, angústia pelo excesso de consumo…

O conservadorismo aumentou, as pessoas não estão conseguindo elaborar as informações vindas a todo segundo.. como nas redes sociais. As pessoas estão sem contorno e, preferem começar do zero (Será que é possível?), com tradições que já foram elaboradas e passadas para um novo modelo e disto, a vinda de um Pai da ordem veio a calhar neste ‘contorno’. O problema é que faz um falso contorno, indivíduo sem perceber acaba virando o opressor, banindo o outro por não concordar com a tua crença e assim, dificulta a troca de diálogos, faz com que retorne ao seu narcisismo primário – o outro não existe. Nesta crença de que não existe o outro, apenas uma única verdade, dá margem para fazer justiças com as próprias mãos, abrindo caminho para injustiças sociais, corrupção, violência, desigualdades.

Há também o grupo das minorias que estão tentando cada dia conquistar seus espaços, para que ‘um dia’ não sejam mais minorias. O que as minorias estão representando? Estas minorias estão com uma solução mais saudável para sua sexualidade? Mulheres cada vez mais emancipadas, negros e indígenas fazendo Doutorados, pessoas nos divãs se questionando… Isto mostra e gera diferença e, têm muitos que infelizmente não suportam, que não estão preparados para trocas com o outro, dificultando a construção de laços sociais. De que forma estamos fazendo este laço? Qual laço estamos nos comunicando?

Líder autoritário, onde exclui o desejo individual do sujeito, este reproduz sem nenhuma crítica o discurso do grande outro ideal, e isto é frágil e finito. Haverá momento da pulsão sair e esta saída, também poderá ser prejudicial para o próprio indivíduo. Exclui o outro que é diferente e, a massa seguida cegamente pelo líder: fere, tortura e mata o que é estranho. Neste aspecto, mostrar a diferença é revelar a finitude de si mesmo – o limite, a falta. Por isto, muitos profissionais éticos da saúde, estão preocupados, em eleger um líder que aniquila a possibilidade de trocas sociais pela via do diferente, impossibilita a evolução como espécie, apresenta a barbárie do instinto – Ego fragilizado, cansado. Atender perfeição para o grande mestre, bater continência para uma bandeira, ou ficar pela via do escape, chegar ao ato – Suicídio ou homicídio? Tudo Isto para quê? Para quem?

A preocupação está no consultório, pelo desespero daquele que diz: “Eles vão matar, estuprar, roubar e, depois vão dizer que é deficiente mental! Nós vamos pagar pela violência dos outros” (frase de um paciente psiquiátrico) ou, nos discursos receosos daqueles que utilizaram as drogas para preencher um vazio, mas hoje dependem do serviço público para continuar seu tratamento contra a doença social ´álcool e droga’: “O que vamos fazer se suspender o serviço? Se autorizarem internações compulsórias?”. Um outro sujeito, também paciente psiquiátrico, me disse em uma sessão: “A vida é um jogo, todas as pessoas têm seus interesses e, você têm que observar estes interesses para se proteger também”. Quais os interesses do jogo? Como se proteger?

A cultura nos molda para que certas pulsões libidinais não apareçam como de fato gostariam de serem vistas. É preciso haver deslocamento, sublimação, para podermos respeitar e continuarmos vivendo em sociedade.

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Não sei quem ganhará as eleições, mas estou levando de aprendizagem, que não adianta ataques uns contra outros no 45´s do 2° tempo. Podemos estudar, refletir e criticar as propostas de governos, sejam municipais, estaduais, e presidenciais. É preciso falar de politica! Nas escolas, com as famílias, com os amigos, no trabalho.. verificar quais os interesses do jogo. Política nos contorna como sujeitos sociais, como cidadãos brasileiros, e a cada momento é construída esta cultura.

Cultura pelas diferenças e respeito… espero que daqui 4 anos possamos dialogar sobre as propostas e dados de realidade, não sobre os afetos ‘medo x ódio’. É como um jogo: observar, verificar os interesses, para atuar no melhor momento.

Quero também lembrar a mim e ao leitor, estamos fazendo história seja ela qual for. Nossa história, Ser que Está, Ser que não é apenas Ser mas, uma metamorfose ambulante***. Através do diálogo, poder expor os limites e sentimentos do momento, e assim, talvez entender a dor do outro, oferecendo compaixão e respeito.

Na psicanálise não possui juízo de valor, não existe bem ou mal, o que analisamos é o modo de gozo das pessoas, como elas lidam com seus próprios sintomas.

Escutar, escutar e escutar.

Cuidaremos da palavra para que não transborde do corpo em forma de agressão. 

Somos todos seres humanos em busca de novas formas de amar e lidar com nossos sintomas****.

 

#MarianasiMeone

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* E agora, José? – poema de Carlos Drummond de Andrade foi publicado originalmente em 1942, na coletânea Poesias. Ilustra o sentimento de solidão e abandono do indivíduo na cidade grande, a sua falta de esperança e a sensação de que está perdido na vida, sem saber que caminho tomar.
Fonte: https://www.culturagenial.com/poema-e-agora-jose-carlos-drummond-de-andrade/;
** Provérbio popular;
*** Referência a música Metamorfose Ambulante, Raul Seixas, 1973;
**** Parafraseando Frase de Sigmund Freud;

Fonte de Pesquisa sobre Nazismo: https://www.infoescola.com/historia/nazismo/;
Fonte de Imagem Guernica de Pablo Picasso: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2017/04/artista-cria-versao-siria-da-guernica-icone-da-guerra-civil-espanhola.html.